Escrevo com caneta de tinta permanente marca Sheaffer, aparo de ouro, em papel de 80 gramas. Tal como cantava o antigo samba, “tenho uma irmã que se chama Ana” que nas suas inspiradas horas vagas transfere tudo para o computador, de preferência em caracteres arial, corpo 12 a espaço e meio. É sobre essa mancha a princípio estranha, que vou exercer a minha crítica interveniente que pode dar para demolir tudo e refazer ao sabor do momento. Se for longo, o novo texto salta para o bico da Sheaffer e assim sucessivamente. A verdade é que, apesar da minha aversão às teclas, que vem talvez do tempo das máquinas de escrever nas quais erros e correcções se sobrepunham á ideia e sobretudo ao prazer da escrita, e das tentativas falhadas de fazer corresponder os sons que despertava nas teclas do piano aos que ia descobrindo algures nos neurónios inacessíveis, acabei por me render à clareza das manchas que, apesar do conflito com as teclas, vou manobrando e orientando no sentido das paragens nunca localizadas da memória ou do desejo. O conflito situa-se agora, mais raivosamente, ao nível dos telemóveis, sobretudo quando por delicadeza me sinto obrigado a enviar um SMS.

Então e o “blog”?

O blog veio ao meu encontro. Apareceu feito por traição da minha própria filha Ana (são três as minhas Anas mais próximas: mulher, filha e irmã) e não sei como serão as nossas futuras relações. Com o blog, evidentemente. Logo se verà. Mas o verdadeiro responsável foi na verdade O DIA CLARO.

sábado, 17 de setembro de 2011

PRIMEIRAS RESPOSTAS


No dia 12 de Setembro o programa “Câmara Clara”, apresentado por Luís Caetano, transmitiu em segunda edição uma conversa com o jornalista Pedro Teixeira Neves a respeito do meu mais recente romance “O Dia Claro”,gravada em minha casa no dia 18 de Julho.

O lançamento fora a 29 de Junho no “Corte Inglês”, com apresentação de Jorge Silva Melo. Escusado será dizer que a sessão, com sala cheia, foi muito mais viva, animada e esclarecedora do que são em geral as sessões de lançamento.

Pela manhã o Império dos Sentidos (ANT. 2) transmitiu a notícia do lançamento de “O Dia Claro” e uma conversa de apresentação com Helena Esteves.

No mesmo dia, quarta-feira 29 de Junho, o JL publicou uma notícia e uma breve entrevista conduzida por Maria João Martins.

Dar uma ideia de conjunto de um romance, da sua estrutura e do seu sentido, sobretudo de um romance como “O Dia Claro” cujos personagens se encontram em permanente confronto com a realidade nossa contemporânea, não é tarefa simples nem para o autor. Os romances adquirem a sua existência própria, que vem tanto das capacidades e intenções conscientes do autor como do seu inconsciente e, através dele, do inconsciente colectivo.

Assim, o que importa é ir tomando conhecimento das diferentes maneiras como os leitores o entendem e é essa pluralidade de leituras que dá aos livros a forma contemporânea da sua publicação. Mais tarde se verá.

O último número da revista “Os Meus Livros”publica uma breve crítica, assinada por Rita Bonet, que considero uma síntese muito conseguida e pode por isso constituir uma boa orientação de leitura.

A publicação de “O Dia Claro” foi desde os primeiros dias acompanhada por um grande número de notícias e alguns comentários a respeito das minhas obras. Agora, decorridas as férias e o tempo necessário para a leitura, aguardo opiniões e críticas às quais procurarei dar resposta.

 

sexta-feira, 29 de julho de 2011

A GAIOLA!


O MELHOR DESTINO?

Na madrugada de “O Dia Claro” da Libia, desde o dia 17 deste mês de Julho de 2011 que a cidade de Bengazi apresenta a “Exposição dos crimes de Kadhafi”, um dos últimos ditadores de carne e osso, onde a efígie do ditador em tamanho natural é exibida dentro de uma gaiola.


No ano de1966 em Lisboa, a Prelo Editora publicou o meu primeiro livro, uma novela com o título “A Execução”, cuja capa eu próprio executei em caracteres tipográficos. É a história simples de um forasteiro que desembarca numa cidade, na altura em que se desencadeia uma revolução popular contra o ditador local. Numa altura em que se encontrava nas imediações do palácio, reconhece a figura do ditador em fuga e com a promessa de o salvar consegue captura-lo e acaba por o encerrar numa velha jaula de ursos de um circo.
Para denunciar a fraude do poder pessoal, passeia-o pelo interior do país, pelas estradas e aldeias, expondo-o às populações que acorriam festivamente à sua passagem para o verem e para o insultarem.
Uma gaiola é um bom destino para ditadores. Mas não podemos contar mais com isso. A actual ditadura que abrange o planeta é abstracta e os seus agentes inacessíveis.
Temos de encontrar outros meios para pôr fim à DITADURA DOS AGIOTAS e prosseguir o caminho para “O Dia Claro”.

Lisboa, 28 de Julho de 2011

terça-feira, 12 de julho de 2011

O Dia Claro



O DIA CLARO foi crescendo e anunciando-se ao longo de cinco anos. Começou por ser apenas um certo mal-estar como tantos outros, os que vão aparecendo e desaparecendo, às vezes sem causa definida e os que vão ficando e chamando sobre si a nossa atenção. 
Esse mal-estar não me dizia respeito. Tinha a ver com os outros. Com vocês, para quem quiser enfiar a carapuça, e consistia no reconhecimento de uma certa tendência bastante generalizada para perder o sentido da individualidade e deixar-se afundar numa massa de gente, em torno de uma bola, uma cruz, uma estrela da TV. E no entanto, o facto de termos chegado em certas regiões do mundo tão perto de sistemas democráticos, só foi possível através da lenta conquista do sentido da individualidade dos homens, de cada homem, processo que só teve inicio (esqueçamos Atenas) no fim da Idade Média. E a moda da Idade Média está aí, com cavaleiros, mágicos e feitos milagrosos ao dispor de todos os gostos e todas as mentes e todas as idades. Esta é a causa do tal mal-estar. E esta, a perda dos valores humanistas, é a principal causa das crises que nos afligem.
A partir do mal-estar assumido vieram as memórias e a exploração das memórias de pessoas, de factos ocorridos quando não tinha ainda distanciamento para lhes descobrir o sentido, de segredos mal guardados e de falsas verdades, de tudo o que via acontecer, perante o meu quase alheamento. E à medida que a escrita prosseguia o seu registo foi ganhando significado, tornando-se numa estrutura ficcional, que coincide e explica tudo o que se passa à nossa volta. Como é que vamos sair daqui sem ser matando-nos uns aos outros?
A dúvida mantém-se, mas já o livro estava acabado e entregue ao editor, por todo o mundo foram surgindo sinais e tentativas de encontrar os caminhos para

“O DIA CLARO”